"Yo no Creo en Brujas. Pero que las Hay, las Hay" - #5


Com enormes narizes, vassouras voadoras e caldeirões borbulhantes, as bruxas são assim representadas na cultura popular contemporânea. O que se sabe, é que todo mito e toda lenda, tem uma raiz histórica que se encrava na mentalidade popular de sua determinada época e, diferentemente da areia do deserto, permanece imutável. O mesmo serve para a ideia de mulheres que supostamente praticam feitiços e afins: as bruxas. Consideraremos "bruxas" todas as mulheres que tinham uma prática oposta ao contexto hegemônico medieval e da inquisição.


1. Contexto Medieval

O contexto social da bruxaria, pelo menos da forma que hoje se conhece, data do período do ocidente medieval (476-1453). Com o enrijecimento das mentalidades judaico-cristãs no Europa, após o fim dos grandes impérios clássicos, estabeleceu-se uma mentalidade anti-sexual e celibatária. Diferentemente do que se pensa, o problema da Igreja com as bruxas não estava estritamente associada diretamente à figura do Diabo, mas às práticas sexuais femininas: "com base nos trabalhos de Cohn, Kieckhefer e Peters, podemos rejeitar de modo definitivo a ideia de que as bruxas adoradoras do Diabo realmente existiram" (RICHARDS, 1993, p.94). A moral da época, dizia que as mulheres deveriam ter práticas sexuais restritas ao marido, apenas reprodutivas e considerava o prazer sexual como uma impureza carnal, afastando as mesmas da vontade divina.
Em suas motivações, a Igreja usou como provas as práticas comuns dentro de seus sabás, como as orgias, o que era, para os católicos da época, uma ideia absurda de libertinagem e merecia uma forte penitência. Segundo Richards (1993, p.83): "isto reflete diretamente o medo milenar do sexo no cristianismo, e também destaca a desconfiança e o desagrado em relação às mulheres como parte integrante da cultura medieval". Ou seja, além do estranhamento às práticas não celibatárias, o estranhamento se dava por conta da cultura misógina do período medieval.
Para a época, a mulher em si era diretamente ligada ao Diabo, como uma maldição. Delumeau, ao analisar as obras do pregador Thomas Murner, localiza o pensamento: "em primeiro lugar, ela é um 'diabo doméstico': à esposa dominadora é preciso portanto não hesitar em aplicar surras - não se diz que ela tem sete vidas? Em seguida, é comumente infiel, vaidosa, viciosa e coquete. É o chamariz de que Satã se serve para atrair o outro sexo ao inferno: tal foi durante séculos um dos temas inesgotáveis dos sermões" (DELUMEAU, 2009, p. 478). Prova-se então a outra face da ideia que se tem sobre a bruxaria: a figura feminina ligada à maldade e corrupção.
No contexto das mentalidades e crenças sobre as bruxas, pode-se dizer que a crença e o mito da bruxaria está envolto por uma questão de força coercitiva que a Igreja exercia sobre os estamentos mais baixos da sociedade. Há dados que demonstram, a partir dos escritos de dois inquisidores da Igreja Católica (Kramer e Sprenger), a culpabilidade e cumplicidade de quem não acreditava na existência das bruxas. Aqueles que não acreditavam no mesmo, eram considerados hereges (RICHARDS, 1993). Além disso, há datações que demonstram que o imaginário sobre as bruxas se concentrava necessariamente aos intelectuais e teólogos que, no entanto, se dissipou nos meios populares.


2. No Contexto da Santa Inquisição

Cronologicamente adiante, inicia-se o período da Santa Inquisição na Europa, onde grupos como homossexuais, hereges, judeus, leprosos, prostitutas e bruxas começam a ser  fortemente perseguidos pela Igreja. Não que anteriormente não houvessem perseguições dessa natureza. No entanto, a Inquisição colaborou para a intensificação e para a piora das práticas. A perseguição contava com o apoio popular das massas, daí o peso de os medos dos intelectuais terem se proliferado para as massas. A população servia de delatora ao Santo Ofício por parte dos mesmos. Havia se tornado normal a prática de tortura e aprisionamento dos mesmos. Carlo Ginzburg em sua obra O Queijo e os Vermes descreve o processo de condenação do moleiro italiano Menocchio, julgado por heresia ao contestar dogmas da Igreja católica. "Em 5 de junho de 1599, uma das maiores autoridades da congregação, o cardeal de Santa Severina, respondeu, insistindo em que se chegasse o mais rápido possível à prisão 'daquele tal da diocese de Concórdia que negara a divindade de Cristo Senhor Nosso', 'por ser seu caso extremamente grave, desde que já havia sido condenado por heresia'" (GINZBURG, 2006, p.190-191).
Para a inquisição, haviam 'casos e casos'. Haviam crimes mais pesados que outros. Os homossexuais, por exemplo, à priori eram condenados a penitencias alimentares. Após a Inquisição, a homossexualidade foi respondida com encarceramento e execução. No caso das bruxas, o mesmo. Segundo Delumeau (2009, p.523): "tendo o medo da mulher - metade subversiva da humanidade - culminado no Ocidente no começo da Idade Moderna, entre os teólogos e os juízes, nada de espantoso se a caça às feiticeiras ganhou então uma violência atordoante". Sempre relacionada com a figura feminina.

3. Considerações

Como vimos, a figura feminina em si era uma figura negativa às imagens da época. Portanto, o processo de associação ao que popularmente conhecemos como bruxa se resulta de séculos de um desenvolvimento focado em um tratamento de inferiorização da mulher e de suas ações. Ao tempo que Joana D'Arc era uma grande guerreira e mulher e, justamente por tais feitos foi condenada à fogueira por bruxaria. Diferentemente do que se pensa hoje em dia, que a figura da bruxa está ligada à figura do maligno e de coisas de natureza maleficente, mais se pode dizer que está associada a uma forma de opressão e deturpação da imagem feminina autônoma, desenvolvida intelectualmente e fisicamente.
As relações de poder podem ser, historicamente, construídas numa relação de teia, onde não somente o poder concentrado nas mãos de uma autoridade interfere na vida do indivíduo, mas todo o ambiente e esferas sociais que estão a sua própria volta.

4. Referências

DELUMEAU, Jean. História do Medo no Ocidente 1300-1800. São Paulo: Companhia das Letras, 2009;
FOUCAULT, Michel. Sexualidad y Política. Buenos Aires: El Cuenco de Plata, 2016;
GINZBURG, Carlo. O Queijo e os Vermes. São Paulo: Companhia das Letras, 2006;
RICHARDS, Jeffrey. Sexo, Desvio e Danação: As Minorias na Idade Média. Rio de Janeiro: Zahar, 1993.

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